Vestir a Camisola
Um blogue sobre coisas que fazem pouco sentido escrito por Rui Leitão e ilustrado por Monsenhor enVide neFelibata.esferográfica 0.4 mm sobre papel Fabriano 250gr
2020
REF passas_2020.11.02
sobre
Nunca fui uma pessoa muito competitiva. Aliás, eu e o desporto temos uma relação muito pouco interessante, embora aprecie muito algumas modalidades, nunca fui muito dado ao jogo, sobretudo o futebol. E é talvez por ter esta relação fraquinha com o futebol, que o meu clubismo, embora existindo, é pequenino. Bem que tentaram atiçar-me quando era criança, mas em vão.
A minha falta de jeito para jogar futebol levou a que fosse vítima de chacota e até mesmo de algumas agressões físicas durante a minha infância e adolescência. E ao contrário do ditado, quanto mais me “batiam”, menos eu gostava da bola.
E é por causa disso que talvez eu não perceba muito bem o porquê de existirem pessoas que na segunda-feira após a vitória do seu clube vistam a camisola e saem alegremente das suas casa em direcção aos seus trabalhos ou escola com uma camisola vestida alusiva ao seu clube.
Há tanto por onde decifrar que isto não é normal que nem sei por onde começar. Mas tentemos. Em primeiro, a pessoa não vai jogar futebol, vai trabalhar ou vai para a escola, logo a coisa soa a desenquadrada. Admito que se fosse na aula de educação física, ou nos mais adultos, aquele joguinho semanal com os amigos, levar a camisola do clube até me parece interessante de forma a desafiar os colegas ou sentir-se tão campeão como os jogadores do seu clube, agora, na aula de matemática é um bocado estranho, muito mais no posto de trabalho. Pior é no inverno, que vestem a camisola do clube, normalmente de manga curta, por cima de toda a roupa. Embora estes casos sejam mais raros, pois os campeonatos e taças acabam normalmente na Primavera ou Verão, eles existem, basta que o seu clube ganhe ao grande rival nesse fim‑de‑semana.
Em segundo lugar, quem veste a camisola não quer só mostrar quanto gosta ou até ama o seu clube, quer também gerar uma discussão com as pessoas que se vai encontrar ao longo do dia. Por consequência vai gerar mau estar entre amigos, o que me parece à partida um pouco aparvalhado. Considero que no fervor do próprio jogo haja a discussão e o embate entre adeptos, agora a sangue frio, parece-me crueldade.
Depois ainda temos um outro caso que me assusta mais, aqueles que vestem a camisola a tempo inteiro, não a camisola literalmente, mas decoram as suas viaturas com os cachecóis ou outros elementos do clube na chapeleira. Pior ainda é quem tem a coragem de decorar as fachadas de casa com elemento alusivos ao clube. Uns mais discretos, com apenas a bandeira nos quinze dias posteriores a uma grande vitória, mas outros que me fazem sentir que estou a passar numa delegação do clube. Este tipo de adepto regula logo à partida que tipo de pessoas pode entrar em sua casa, os do seu clube e se não forem, estão caladinhos ou levam cartão vermelho.
Talvez eu tenha outras paixões que se vertam da mesma maneira na minha vida e as outras pessoas não compreendam ou até achem bizarro. Mas acho que pouca coisa bate ter um painel de azulejos com o símbolo do clube no muro da casa.
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